Futuro governador terá de saber investir com pouco dinheiro no caixa

Jaqueline Silveira

Futuro governador terá de saber investir com pouco dinheiro no caixa
O novo titular do Palácio Piratini terá de definir as despesas prioritárias e, ainda, fazer os investimentos necessários. Foto: divulgação

Assim como em uma casa, o Estado tem contas para pagar dentro do seu orçamento e, se gastar mais do que arrecadar, as contas não irão fechar. O titular do Palácio Piratini tem de definir as despesas com serviços prestados para a população, como manutenção de hospitais e escolas, por exemplo, e fazer, ainda, investimentos que possam retornar em melhorias para os gaúchos.

Apesar de estar com as contas mais equilibradas e com os salários em dia desde o início de 2021 – depois de parcelar os saldos desde 2015 a novembro de 2020 –, o Estado tende a ter um caixa apertado pela frente. Isso quer dizer que o futuro governador, eleito em outubro, terá de fazer muita conta para guardar dinheiro para pagar a dívida com União e outros débitos, como financiamentos, e, ao mesmo tempo, reservar recursos para serviços e obras. Em 2023, o Estado retoma o pagamento das parcelas da dívida com o governo federal de forma gradativa: começa em R$ 2,2 bilhões e vai aumentando a cada ano.

Em dezembro de 2021, somente o débito com a União somava mais de R$ 73 bilhões dos R$ 86 bilhões da dívida pública, incluído os valores devidos a terceiros. Entretanto, essas cifras atualizadas até agosto deste ano alcançam R$ 90 bilhões, sem contabilizar os R$ 15,2 bilhões em precatórios (pagamento resultante de decisões judiciais) vencidos e não pagos. A dívida, aliás, é um assunto que paira sobre o Palácio Piratini há décadas, contudo se agravou entre 1998 e 1999, quando foi renegociado o contrato sob juros elevados à época. Os débitos com a União são alvo, inclusive, de uma auditoria em análise pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).

O futuro governador também terá de administrar o Estado sob o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), acordo feito com a União para o equilíbrio e ajuste das contas, que impõem restrições para adotar medidas. Por nove anos (leia mais nas páginas 24 e 25), até 2030, o chefe do Estado terá de administrar as contas com limites, especialmente se tomar decisões que resultem em despesas. Por isso, não poderá conceder reajuste aos servidores estaduais, só o índice de inflação, e, se quiser contratar mais policiais para fazer a segurança da população, que anda assustada com aumento da violência, ou investir pesado em professores e no aprendizado para recuperar a qualidade da educação depois da pandemia, ele não poderá decidir sozinho. O governador terá de submeter as decisões a um Conselho de Supervisão, formado por três representantes: um indicado pelo Ministério da Fazenda, um pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e outro pelo governo do Estado. Em caso de o Estado infringir regras, poderá ser multado pelo órgão.– O Rio Grande do Sul não vai ser governado pelo governador eleito, vai ser por essa comissão – afirma o professor de Economia da Pontifícia Universitária (PUC) Adalmir Marquetti, um estudioso sobre a dívida pública do Estado.

Déficit para 2023

E o prenúncio de que o futuro governador terá de fazer um malabarismo para administrar o Estado está materializado no orçamento previsto para o ano que vem. Entregue ao Legislativo pelo governador Ranolfo Vieira Júnior (PSDB) neste mês, o projeto prevê um déficit de R$ 3,7 bilhões em 2023. Ou seja, a conta não fechou. As despesas ficarão acima da arrecadação.

Além disso, o Estado projeta uma queda de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), resultado da aprovação pelo Congresso Nacional da redução para 17% das alíquotas de serviços, entre eles combustíveis e energia elétrica. A medida foi boa para os consumidores que tiveram um alívio no bolso, por outro lado, para estados e municípios, foi prejudicial, pois ajudou a deixar os cofres mais pobres. Em 2023, o Estado terá uma queda de R$ 4,4 bilhões.

Debate eleitoral

As contas do Estado, especialmente a dívida com a União e o Regime de Recuperação Fiscal, têm pautado grande parte da campanha eleitoral, tanto em debates quanto em entrevistas. O professor Marquetti avalia que os próximos governantes irão administrar somente “como pagar a dívida”. Ele alerta que, mesmo com os valores das parcelas corrigidos pelo índice do IPCA mais 4% de juros, em um momento, “o pagamento ficará inviabilizado”.– Esse regime é uma coisa descabida, e a dívida tem de ser revista – completa o economista.

Presidente do Sindicato dos Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Filipe Leiria, frisa que o Regime de Recuperação Fiscal limita a prestação de serviços.– O Regime de Recuperação Fiscal precariza o serviço público em virtude de uma regra restritiva – ressalta Leiria, sobre o fato de o Estado não poder realizar concurso público, exceto se autorizado pelo Conselho de Supervisão.

Sobre a dívida, o presidente do sindicato diz que os gaúchos já nascem em débito para União, já que a dívida é compensada por tributos.– Essa dívida é impagável. Cada gaúcho nasce devendo R$ 8 mil à União – completa ele, com base na dívida pública de R$ 90 bilhões.

Já o secretário estadual em exercício da Fazenda, Jorge Luís Tonetto, afirma que há uma visão equivocada que o regime restringe a capacidade de investimentos do Estado (leia entrevista ao abaixo).

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“O plano é dinâmico e as metas podem ser revistas”, afirma secretário estadual da Fazenda

Foto: divulgação

Diário de Santa Maria – O Estado não ficará com a capacidade de investimentos limitada sob o Regime de Recuperação Fiscal e com a retomada do pagamento da parcela da dívida?Jorge Luís Tonetto – Há um equívoco quando se atribui ao regime a restrição a investir. Durante anos, o Estado teve investimentos próximos a zero devido as suas limitações fiscais, e o RRF não existia. Mesmo nos anos em que manteve a liminar, ainda assim permaneceu com restrições para investir e não conseguia pagar a dívida ou os salários. O regime impõe, sim, uma limitação no crescimento das despesas justamente para impedir que o Estado volte a ter uma situação financeira crítica, prevendo que a retomada do pagamento da dívida seja mais sustentada do que no passado, para que as despesas avancem de uma forma correspondente à capacidade financeira.

Diário – O governador não ficará limitado em suas decisões, já que medidas que gerem despesas terão de ter aprovação do Conselho de Supervisão?Tonetto – Não. O plano é dinâmico, e as metas podem ser revistas em acordo entre as partes. A cada dois anos, ele é obrigatoriamente revisto. O Estado pode, inclusive, no futuro, desistir do regime. Claro, que nesse caso, deverá voltar a pagar a dívida na sua totalidade. O papel do Conselho é supervisionar o cumprimento das metas, os compromissos do Estado, a implantação das medidas de ajuste e a observância das vedações do RRF.

Diário – As aprovações, como realização de concurso público, terão de ter um plano bienal?Tonetto – Não, necessariamente. O Estado pode fazer concursos, conceder reajustes e mesmo revisões de carreiras e revisões gerais, mas esses impactos precisam caber no plano apresentado. Caso os efeitos dessas medidas de despesas extrapolem o plano aprovado, aí, sim, o Estado pode pedir sua inclusão na revisão do plano, que é feita a cada dois anos.

Por dentro do RRF

O plano

O Regime de Recuperação Fiscal (RRF) é proposto pelo governo federal para ajudar os Estados com piores indicadores do país para ajustar as suas contas. Por meio do RRF, Estados em situação de desiquilíbrio fiscal (despesas maiores que as receitas) podem flexibilizar regras fiscais, fazer operações de créditos e ter a suspensão do pagamento das parcelas da dívida com a UniãoMas para obter essas concessões, o Estado precisa dar contrapartidas. Por isso, o Palácio Piratini fez privatizações, reformas Administrativa e Previdenciária e instituiu o teto de gastosO Estado ficará sob o Regime de Recuperação Fiscal por 9 anos, período em que será submetido a restrições, como reajuste salarial e realização de concursos (até podem ocorrem, mas com aval do comitê do RRF – veja abaixo)As exceções que geram impactos financeiros iguais ou superiores ao da vedação terão de, previamente, ser aprovadas pelo Comitê Estadual de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal e pelo Conselho de Supervisão do RRF do Estado do Rio Grande do Sul

4 benefícios

Retomada gradativa dos pagamentos da dívida com a União, suspensos desde agosto de 2017 pela liminar do STFInclusão de dívidas com terceiros (BNDES, BIRD, BB e BID) garantidas pela União no mesmo cronograma gradual de pagamentosRefinanciamento em 30 anos com encargos de adimplência dos valores suspensos pela liminar do STF (mais de R$ 15 bilhões em aberto)Possibilidade de contratação de operações de crédito com garantia da União para renegociação de outras dívidas do Estado

15 proibições

Concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação dos salários de membros dos Poderes ou de órgãos, de servidores e empregados públicos e de militares, exceto aqueles provenientes de decisão judicial transitada em julgado (não cabe mais recurso) . Reposição salarial com base na inflação até poderá ser dada, mas com aval do comitê do RRF, desde que garantido que não vai extrapolar limites de gastosCriação de cargo, emprego ou função que resulte no aumento de despesaAlteração de estrutura de carreira que resulte em aumento de despesaAdmissão ou a contratação de pessoal (exceto as reposições de cargos de chefia e de direção e assessoramento que não acarretem aumento de despesa e contratação temporária)Realização de concurso público (até poderá haver, mas para repor vagas e com aval do comitê do RRF)Criação, elevação, reajuste ou adequação de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios remuneratórios de qualquer natureza, inclusive indenizatória, em favor de membros dos Poderes, do MP ou da Defensoria Pública, de servidores e empregados públicos e de militaresCriação de despesa obrigatória de caráter continuadoAdoção de medida que implique em reajuste de despesa obrigatóriaConcessão, a prorrogação, a renovação ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receitaEmpenho ou contratação de despesas com publicidade e propaganda, exceto para as áreas de saúde, segurança, educação e outras de demonstrada utilidade públicaCelebração de convênio, acordo, ajuste ou outros tipos de instrumentos que envolvam a transferência de recursos para outros entes federativos (Estados e municípios) ou para organizações da sociedade civil (ressalvados aqueles necessários para a efetiva recuperação fiscal)Contratação de operações de crédito e o recebimento ou a concessão de garantia, ressalvadas aquelas autorizadas no âmbito do Regime de Recuperação FiscalAlteração de alíquotas ou bases de cálculo de tributos que implique em redução da arrecadação;Ingresso de ação judicial para discutir a dívida ou o contrato sobre a dívida com a UniãoVinculação de receitas de impostos em áreas diversas das previstas na Constituição Federal

Com informações da Secretaria da Fazenda do Estado, em rrf.rs.gov.br

Projeção para 2023

Receitas

É o dinheiro que o Estado arrecada e que é usado para pagar os gastos com obras, compras e serviços públicos prestados à população. A maior parte desse recurso público vem dos impostos pagos pelo cidadão

Despesas

São todos os gastos realizados pelos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público Estadual e Tribunal de Contas do Estado com serviços, obras e compras para atender as necessidades coletivas da população

Déficit

É um resultado negativo. No caso, a despesa é maior que a receita. É o que está projetado no orçamento

Orçamento de 2023

Receita total R$ 70.328.720.765Despesa total R$ 74.084.225.642Déficit R$ 3.755.504.877Queda do ICMS em 2023 R$ 4,4 bilhões

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A dívida em capítulos

Origem e repactuação

A dívida pública do Estado não é recente, ela remete aos anos 1960 e 1970, no auge da ditadura militar, quando o Estado pegou mais dinheiro emprestado do que podia pagar.De lá para cá, os valores só aumentaram. Em 1998, o governo da época, de Antonio Britto, renegociou a dívida sob índice do IGPD-I mais juro de 6% ao ano, o que inflou mais as cifras. Na época, a União assumiu as dívidas dos Estados, que passaram a pagar os juros para a UniãoA dívida em 1998 era de R$ 59 bilhões. Desde lá, o Estado pagou R$ 37,11 bilhões à União, mas deve ainda R$ 73,7 bilhõesEm 31 de dezembro de 2021, a dívida pública do Estado era de R$ 86,035 bilhõesDesse total, 85,7% corresponde ao valor da dívida do Estado com a União, o equivalente a R$ 73,723 bilhõesNúmeros atualizados até 31 de agosto de 2022 apontam que a dívida pública total do Estado alcançou R$ 90 bilhões

Contratos assinados (aditivos)

Em fevereiro de 2022, o Estado assinou dois contratos com a União relacionados à adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF)Um deles, o 261, trata do refinanciamento das parcelas da dívida com a União e com terceiros (Bird, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Federal, INSS, entre outros) dentro do prazo de 30 anosO outro contrato, o 262, trata do refinanciamento dos valores não pagos – R$ 16,4 bilhões, em razão da liminar concedida pelo STF desde 2017. Os R$ 16,4 bilhões foram refinanciados para pagamento em 30 anos a juros de 4%. O prazo vai até 2052

Pagamento gradual

Ao longo dos 9 anos em que vigorar o Regime de Recuperação Fiscal, o Estado pagará as parcelas com aumento gradativo, ano a ano. A partir do 10º ano, pagará a integralidade da parcela mensalEste ano, o Estado pagará cerca de R$ 900 milhões da dívida já com base nos critérios estabelecidos pelo RRF. A parcela do mês de setembro referente aos R$ 16,4 bilhões foi de R$ 94,6 milhões. O valor é recalculado mensalmenteAs parcelas normais do saldo da dívida, incluindo a com a União e com contratos com terceiros (Bird, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Federal, INSS, entre outros), começam a ser pagas em 2023 de forma gradual. No próximo ano, é 1/9 (um nove avos) da parcela calculada. Já em 2024, serão 2/9 (dois nove avos) da parcela calculada e, assim, sucessivamente até atingir a parcela cheia, em 2031Em 2023, serão pagos R$ 2,2 bilhõesNos R$ 2,2 bilhões que devem ser pagos pelo Rio Grande do Sul em 2023, já estão incluídos os valores do refinanciamento e do saldo da dívida

Indexador, juros e sobre juros

Desde 1998 até 2016, o Estado pagava as parcelas da dívida calculadas pelo IGPDI + 6%. Os juros elevados só aumentaram as cifras da dívidaAo longo desse período, o cálculo da parcela não poderia ultrapassar 13% da receita corrente líquidaApós esse período, o Estado paga as parcelas com base no IPCA + 4%

Ações no STF questionam juros

O Estado ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que, desde o início do contrato, fosse aplicado somente o índice do IPCA e o afastamento completo dos jurosA Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção gaúcha, também ingressou com uma ação no STF pedindo que fosse substituído o IPGDI-I pelo IPCA, exclusão dos juros sobre juros e o recálculo da dívida sob os novos critérios, além de prestações mensais a 1/12 (um doze avos) de 10% da Receita Líquida Real (RLR)Como pré-requisito para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, o Estado teve de retirar a ação do STF. Só tramita no Supremo, agora, a ação da OAB

O que cabe a cada um dos eleitos

Deputados e Senadores – No Congresso Nacional, cabe à bancada gaúcha, por exemplo, formar maioria para tratar sobre questões importantes para o Estado, como a repactuação da dívida pública e os indexadores adotados para o repasse de recursos aos Estados. Além disso, o Congresso pode propor um novo pacto federativo, em que a União repasse mais recursos aos Estados

Governador e Presidente – Cabe ao Executivo realizar as medidas pertinentes para aperfeiçoar o funcionamento da máquina pública. Além disso, o presidente e o governador podem enviar propostas para a Câmara de Deputados e para a Assembleia Legislativa, que possam diminuir os gastos públicos ou aumentar a receita do Estado

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